Raphael Escobar. Onde Está a Arte. Número 14.
Um artista que habita a São Paulo das poesias das ruas e de suas duras vivências para criar meios de contribuir para um debate mais elevado sobre as condições de dependentes quimicos na sociedade.
I - A experiência da metrópole
“Onde estiver, seja lá como for, tenha fé, porque até no lixão nasce flor.”
Racionais MC's (Música: Vida Loka - Parte I)
Cidade de São Paulo. Tensões que esgarçam o tecido social. Rua Helvétia, Alameda Barão de Piracicaba e o Largo Coração de Jesus. Campos Elíseos. Santa Cecilia. Centro da cidade. Em uma manhã de 2012, pessoas se veem encostadas em muros e interagem uns com os outros. As ruas se tornam seus espaços de convívio. A cidade é um grande caldeirão onde suas vidas se vêem distantes de ações de amparo e cuidado. A prefeitura atua na prevenção de danos e busca soluções para dar uma maior dignidade a populações tão carentes inseridas no coração de uma das maiores metrópoles da América Latina.
Ano de 1995. “As ruas do bairro da Santa Ifigênia conhecidas como Cracolândia continuam sendo percorridas pelos policiais. Os antigos casarões vêm sendo usados por traficantes para preparar pedras de crack", dizia uma reportagem do jornal “O Estado de São Paulo”, onde pela primeira vez surge o termo após a prisão de traficantes, na esteira da inauguração da Delegacia de Repressão ao Crack em São Paulo.¹
Cinco anos antes, em 22 de Junho de 1990, é noticiada a primeira apreensão de crack. 220 gramas. Com a desativação do colorido e movimentado Terminal Rodoviário da Luz, um dos principais pontos de chegada de migrantes à capital paulista, o entorno já conhecido em décadas anteriores como a Boca do Lixo (quadrilátero que inclui a rua do Triunfo, a rua Vitória e adjacências, onde convivem o submundo da cidade ao lado do que seria conhecido como polo cinematográfico e liberdade criativa durante a Ditadura Militar) se vê aos poucos consumida pelo abandono das autoridades, incrustada num cinzento espaço distante de quaisquer sonhos e possibilidades.
Ano de 2012. Voltamos àquela manhã nos Campos Elísios. Um jovem estudante de artes visuais, que tinha ambições de se tornar um educador, observava ali naquele entorno uma possibilidade de fomentar novos sonhos e possibilidades para jovens que se viam presentes à beira do caos. O jovem Raphael Escobar começa o seu trabalho como oficineiro de artes em um projeto da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de São Paulo focado em crianças e adolescentes. "Daí eu tenho uma apresentação do meu trabalho que eu comparo a educação com as artes e ai eu vou mostrando como no fundo o meu ateliê é a rua, porque aí vai dando as coisas pra mim ir fazendo.”
Entre 2009 e 2012 atuou também na Fundação Casa (antiga FEBEM), onde promovia oficinas artísticas para jovens no projeto Educação com Arte (CENPEC). Escobar utiliza em seu site uma frase marcante sobre o objetivo essencial das atividades: “As oficinas eram a desculpa para o acolhimento.”
A cidade em seus contrastes, sobretudo na condição humana e na profunda desigualdade, como tão bem esmiúça a urbanista Raquel Rolnik em seu livro “São Paulo: Planejamento da Desigualdade” (publicado pela editora Fósforo, 2022), está no cerne do que viria a se desenvolver a obra de Raphael Escobar: A construção de uma cidade onde são dadas as condições para a fragmentação e abandono dos mais frágeis, dos mais pobres e a separação de espaços para agregar os mais ricos, detentores de melhores condições de vida. A fricção dos espaço das ruas e dos moradores delas, da pobreza e abandono com os espaços de arte, ocupado em grande parte pela classe média alta, com acesso a melhores condições, faz derrubar cercas e propõe novos olhares para toda uma sociedade e sua cidade.
II - “O grande lance foi o povo de rua pra dentro do museu.”
“Escobar está interessado nas subjetividades que emergem neste processo de negociação e as formas criadas para resistir e existir em meio a processos de apagamento, supressão de liberdade e controle.”
Isabella Rjeille
Raphael Escobar observa a si mesmo como o jogador do meio de campo, o camisa 10 do time. Desde a juventude se via num emaranhado de questões abertas na configuração da cidade que habitava, com o desejo de intervir no espaço e nas relações entre as classes sociais. Antes de sua incursão nas ações educativas na região da cracolândia e na fundação Casa, tinha uma relação profunda com o graffiti e com a pichação. O momento definidor de sua trajetória, onde inicia o curso de Artes Visuais e se projeta como um futuro educador, traz também questões sobre a própria materialização e da estética da arte em um contraste com o que queria criar a partir de sua experiência nas ruas da maior metrópole do país. “Fui fazer artes visuais e eu fazia intervenção, eu não fazia exposição em espaço expositivo tinha muito pouco trabalho pra isso, eu fazia na rua, eu gostava de fazer.”
Instigado por suas pesquisas que viriam a culminar no trabalho que apresentou em sua conclusão de curso de graduação, a obra Chinelos grátis foi um experimento a partir do que queria realizar: intervir no espaço público de forma ativa, propondo aos moradores de rua e demais transeuntes a destacar um material de cor verde, pregado em postes e montar um chinelo para que pudessem usar. Escobar sabia ali que aquilo era apenas um experimento, havia algo de muito mais instigante que o interessava. “Eu não sei explicar porque mas esse não era o trabalho que eu quero fazer”, diz ao mencionar que apresentou o trabalho para a banca composta pelos professores Cauê Alves e Thais Rivitti.
“Chinelos grátis tinha uma coisa que eu não gostava e eu não sabia explicar o por quê, aí fui fazer o toldo aí começam as coisas a clarear pra mim, é um pouco a ideia de mediação, que vai me pegando.” O projeto do toldo, a série Pernoite, a que se refere em sua fala surge em 2013 a partir de uma residência artística que fizera em Salvador chamada "Muros: territórios compartilhados”. São toldos retráteis que viriam a ser instalados no espaço público para abrigar moradores de rua. Ao mesmo tempo, iniciou negociações com o dono de um bar para que pudesse instalar o toldo em um comum acordo de horários para que o morador de rua pudesse usar do toldo em um certo período do dia. Esse toldo de cor verde instalado na entrada do bar ganhou o nome de Mutualismo. O projeto veio a ocupar o Museu de Arte do Rio em 2018 com dois outros toldos, numa sequência de três toldos presentes no projeto inicial, em uma exposição com curadoria de Moacir dos Anjos. “Baseado nas relações interespecíficas da biologia, cada toldo propõe uma das relações na esfera pública: Mutualismo, Inquilinismo e Parasitismo.”, explica em seu site.
Com o projeto dos toldos, percebe sua verdadeira aptidão e desejo na arte: a de mediar espaços, reduzir distâncias e provocar interações entre as ruas e os espaços privados. “A mediação era até então do lado de fora, que era isso, o dono do bar e o morador de rua, não tô no espaço expositivo ainda, tava bem longe de estar no espaço expositivo na verdade, isso começa a rolar só em 2016.”
2016 chega e logo de cara uma oportunidade surge com uma residência na Red Bull Station (antigo espaço voltado a artes e performances na Praça da Bandeira). O espaço institucional das artes, que tende a manter certos aspectos higienistas e restritos a um público, ganha no projeto Open Bar uma interação permanente com moradores de rua do entorno. São distribuídos cachaça artesanal gratuitamente para os moradores de rua que ao adentrarem o espaço interagem com ambientes que até então não tinham acesso. "Daí aquele conflito, porque na real eu queria discutir conflito de classe, aquele conflito foi dado e era real, não tava discutindo sobre, tava lá, dado, real, é isso que eu gosto de fazer.”
Além dessa residência, a convite da curadora Isabella Rjeille expõe na galeria Leme em uma exposição coletiva chamada Totemonumento (nome em alusão a um trabalho de Cildo Meireles realizado no contexto da ditadura militar brasileira em 1970). “Eu propus o trabalho lá, foi massa, meio que voltei a produzir por causa dessa virada, que é 2016.” Em seguida, apresenta uma exposição na Central Galeria, onde seus trabalhos são um conjunto de cachimbos de crack que veio a colecionar com o tempo. “Era um pré trabalho de arte, que comecei a colecionar cachimbo de crack os diferentes não o basicão, eu colecionava os que eu achava diferente, comecei a colecionar, colecionar, colecionar, falei isso é um trampo né, daí na central expus esse trabalho.” No final do ano de 2016, Tadeu Chiarelli, diretor geral da Pinacoteca de São Paulo, o convida para expor os cachimbos na exposição Metrópole: Experiência Paulistana que abriria em 2017. O diretor e também curador define as escolhas dos artistas como “os que vivem ou viveram na cidade e que colocam em pauta a “experiência paulistana.”
O meio campista Raphael Escobar, em uma alusão ao jogador que intermedia a defesa e o ataque em uma partida de futebol, se vê inserido no papel de negociar agora em um palco ainda maior. Sai o dono do bar e entra a instituição museal. Para essas exposições costuma convidar aqueles cujas histórias se cruzam com seus trabalhos, os usuários e moradores de rua. Na Pinacoteca, para essa exposição de 2017, um grupo compareceu ao espaço. Um dos presentes foi autor de uma das mais belas criações de cachimbo, que veio a levantar uma questão contundente: “É o cachimbo mais emblemático, não sei se foi com faca, ele desenhou no cachimbo inteiro, com uma estrela, tipo rosa dos ventos, era uma estrela toda desenhada, lindo demais, aí ele foi ver a exposição, ele não gostou, ele virou pra mim e falou: ‘eu achei que ia ter foto da gente fumando crack lá dentro’, não achei que era só os cachimbos.” Escobar explicou que não seria correto do ponto de vista ético expor a todos ali naquele espaço. “E daí ele me questionou dizendo assim: ‘você imagina que os cara vão ver os cachimbo lá, vão sair a aqui fora, e vão olhar a gente, eles não vão olhar pra gente, você olha pra gente, eles não olham’ Daí eu entendi que tinha aquele bagulho da experiência, a experiência só de olhar não funciona tem que ser ativo mesmo.”
III - São Paulo e o usuário

“Por meio de provocações da língua, de perfurações de discursos e de pequenos dribles no funcionamento maquinal do cotidiano, o artista aborda as complexidades da rua, os conflitos inerentes ao espaço público, e as tensões que permeiam a abissal desigualdade na distribuição de recursos e violências no corpo social.”
Germano Dushá
A fala dada acima na exposição da Pinacoteca pelo usuário de crack denota uma inflexão do próprio papel do objeto inserido no cubo branco do museu. Raphael logo percebeu que a fala do visitante seria algo que precisaria ser ressignificado em exposições como aquela. “Não é expor uma coisa, é tensionar a coisa em si.”, diz.
Em 2019, as curadoras Júlia Rebouças e Catarina Duncan, responsáveis pela 36º Panorama de Arte Brasileira do MAM SP daquele ano, intitulado “Sertão”, o selecionaram para realizar uma obra a ser exposta no museu. Escobar havia pensado em um projeto que começara a escrever dois anos antes. Era uma testagem de qualidade de drogas, por classe social onde insere a classe média na discussão sobre consumo e produção. Seu maior receio era com possíveis retaliações à instituição, uma vez que no Panorama anterior, houve uma polêmica fomentada por grupos de extrema direita em suas redes sociais de incitar as tais “guerras culturais” através de expressões artísticas. A curadoria, porém, o tranquilizou dando suporte ao projeto. A obra Usuário, mostrava a diferença da qualidade da droga utilizada (LSD, maconha, cocaína e MDMA), a partir de poder aquisitivo em determinadas regiões e bairros da cidade de São Paulo.
“O incomodo ainda tá la dentro do trabalho, de outro jeito, mas daí a classe média se incomoda pensando lógico tem o pobre lá mas tem ela também, tá dentro dessa equação, ela se tirava de dentro da equação quando olhava meu trabalho.”
Raphael Escobar
A obra exposta no MAM SP permitiu que Raphael Escobar pudesse tensionar as classes ao permitir que o contexto da obra não ficasse restrito ao usuário, mas a toda uma sociedade, do Jardim Europa à Cracolândia. “Virada de chave gigante no meu trabalho. Tenho me interessado cada vez menos em um viés de que seja pautado só pelo pobre mas que tenha essa comparação na exposição, no trabalho que tô propondo."
Em exibição na GDA, espaço de arte, localizado na Barra Funda, até o próximo sábado (06 de Maio), a individual de Raphael Escobar promove novos contornos através da imagem de objetos que em conjunto produzem questões que lhe são caras, ao inserir objetos que aludem a populações periféricas de São Paulo, constantemente alvos da repressão da policia, e de duas fotografias em impressão fine art sobre papel que revelam em uma mesa a presença de diferentes tipos de drogas e objetos que denotam a classe abastada que vem a consumir tais substâncias. “A minha exposição individual tem um contraponto, que são os objetos e as fotos, que representam duas classes, díspares totalmente, então isso me interessa mais do que só os objetos”. Para Escobar, essa fricção é o mais importante: “Isso me interessa mais, saber, do que só jogar no cachimbo, eu acho que eu perco, há quem diga que eu estou ganhando mas eu acho que eu perco em comparação, e a comparação precisa ser discutida, discutir só pelo pobre você não vai criar muita coisa além desse trio de fetiche, ódio e dó.”
IV - Fazer o meu Bacurau

“Tematicamente são imagens de um naturalismo de choque, caricato e moralista: dinheiro, sexo, e nada mais. Estão ligadas contudo a uma ação direta sobre o público. Este segundo elemento não se esgota na intenção explicita com que foi usado, de romper a carapaça da platéia, para que a crítica a possa atingir efetivamente. Seu alcance cultural é muito maior, e difícil de medir por enquanto. Tocando o espectador, os atores não desrespeitam somente a linha entre palco e platéia, como também a distância física que é de regra entre estranhos, e sem a qual não subsiste a nossa noção de individualidade.”
Roberto Schwarz, em uma menção ao processo de criação do Teatro Oficina
Raphael Escobar ao permear os sentidos das classes sociais no consumo das drogas realiza uma análise contundente por meio da arte de como provocar uma re(ação) do público a uma exposição de arte. “Ele não pode ser fofo, tem que ser o espaço do conflito.”, diz. A negociação entre as ruas e os espaços de arte passa a se dar, como se dá a própria interação em uma cidade como São Paulo, nos contra sensos e na desigualdade latente onde muitas vezes a discussão esbarra em modelos neoliberais de gestão de questões sensíveis e delicadas da população.
Ao confabular sobre sua arte e a seus desdobramentos dos que fruem dela, Escobar traz a nossa conversa o pensamento de Roberto Schwarz, no livro Cultura e Política 1964-1969, em uma analogia às abordagens do Teatro de Arena e o Teatro Oficina, naquele período de início da Ditadura Militar no país. “O Teatro de Arena, com um tipo de teatro mais direto, ele só vai falar com quem já tá apropriado da pauta, falar para convertido, já o Oficina que discute as mesmas questões de maneira subjetiva e corporal, consegue atingir um número maior de pessoas, e aquelas discussões estão lá e aos poucos as pessoas vão ter que lidar com elas, que foram trazidas na peça, esse ponto pra mim é importante, a comparação entre o Teatro de Arena e o Teatro Oficina, acho que isso é que começou a estourar na minha cabeça, como não fazer um bacurau, pra muita gente funcionava o que eu fazia antes, só que é o meu bacurau.”
As abordagens do mundo dos dependentes químicos, nas ruas de São Paulo, do CEASA, na Vila Leopoldina à Praça Princesa Isabel, na Luz vem a ser cada vez mais apuradas pela arte de Escobar, que agora se atenta nos costume de uma classe de alto poder aquisitivo em um jogo de luz e sombras que vieram a se alternar em movimentos constantes, até sobrar apenas as luzes sobre uma única sociedade, por mais que de início isso provoque os choques iniciais de distanciamento. Sobre o prisma da analogia ao Teatro Oficina, criado nos anos 60 pelo dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, a provocação é lançar luz para os não convertidos, para os que têm ressalvas. É o de causar o choque pela revelação das aproximações da coletividade, de tornar o indivíduo mais inserido e menos egoísta, se assim pode-se dizer.
V - Frente 3 de Fevereiro, Monica Nador, Rubens Mano, Theaster Gates e a dupla Mauricio Dias e Walter Riedweg

“O trabalho do artista Raphael Escobar é fortemente influenciado pela cultura urbana de São Paulo. O skate, o grafitti, o pixo, o rap e a “cultura das quebradas” são o elo de ligação de sua arte com a cidade. Em sua produção, seja nas intervenções na rua, seja nos trabalhos criados para os espaços expositivos tradicionais, a “rua” está em atravessamento.”
Brigida Campbell
É importante observar o que molda um artista ou alguém que habita a criação artística e desenvolve camadas em si e em seu trabalho. Em Raphael Escobar, as cinco referências de artistas e movimentos no título desse capítulo dizem muito do que foi ele quando jovem, ao intervir na cidade com o grafitti (e que viria a perceber intersecções e vivências com a maturidade com muitos desses nomes) e do que vem a ser hoje em uma produção influenciada pela sua experiência no poder público atuando junto às ruas de São Paulo e nos atravessamentos com tantas histórias de vida. Tudo se encontra e tudo se transforma no que ele é hoje.
Com a Frente 3 de Fevereiro, se dá o contato dos integrantes do grupo com as ruas e com as causas sociais. O ponto de partida do surgimento do grupo começa lá atrás com o dia 3 de fevereiro de 2004, quando um jovem dentista negro Flávio Ferreira Sant’Ana, então com 28 anos de idade, é assassinado por seis policiais militares na zona norte da cidade de São Paulo. Flávio foi morto com dois tiros, confundido com um ladrão. Os policiais forjaram toda a cena do crime para encobrir o erro. A partir dali, passam a realizar intervenções na cidade como nas famosas faixas das torcidas dos times de futebol Ponte Preta, do São Paulo e na ocupação Prestes Maia. “Uma lógica de intervenção, galera do grafite.”, diz Escobar. “Eles tem um trabalho deles, que se chama “Zumbi Somos Nós”, de outro mundo, uma vídeo-instalação, show, peça de teatro, instalação de luz, um acontecimento.”
A proximidade com os membros da Frente se deu em meio ao acaso. “Uma parte virou Casa da Lapa, e foram trabalhar na cracolândia, sou amigo do Julinho, do Sato, a gente se conheceu na craco, depois de um tempo fui descobrir que eram da frente, são uma puta referência, como fazer trabalho de arte, que ele tá no circuito mas não tá, ele tá pro lado de fora.”
Mônica Nador com o projeto JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube) gestado em 2004 no bairro de mesmo nome na zona sul de São Paulo surge com a intenção de criar um ateliê de arte, espaço de formação e biblioteca, quase como uma ação de guerrilha, investindo o dinheiro que conseguem para tentar manter o espaço. Apesar de estarem presente no circuito das arte por um tempo ainda lutam para ter um espaço próprio.
Com o artista multifacetado Theaster Gates, Escobar vê as similaridades com a atuação em espaços institucionais de destaque com uma prática social interdisciplinar. Educador, Gates busca trazer as ruas para os espaços de arte. “Artista da quebrada dos EUA, ele virou artista visual tem um processo que é só fazer, a venda do trabalho dele vai pra comprar terreno da área dele, e ele constrói escola, biblioteca, em um quarteirão deve ter pelo menos uns 10 imóveis.”
Ao abrir uma porta onde permitia a entrada gratuita em uma Bienal de São Paulo, como trabalho de arte, Rubens Mano, que é arquiteto, busca em sua poética olhar para os espaços e criar pontes entre a sua sociedade.
“Na época quem pra mim mudou muito o meu olhar foi o Maurício Dias e o Walter Riedweg, com um doc no Videobrasil, do Sesc, um amigo meu tava fazendo teatro licenciatura e passaram isso e ele falou você tem que ver esse bagulho dai comprei ai falei é isso que eu quero fazer.” O que mais instigou Raphael Escobar na dupla Dias & Riedweg foi justamente o interesse da dupla pela educação e nos desdobramentos que seus trabalhos produzem. "Referência plausível Maurício e Walter, trabalha na lógica da educação, que é um pouco de onde eu venho, produzindo um trabalho para instituição que é um trabalho que eu queria fazer.”
Em um determinado momento, quando teve um acompanhamento com Mauricio Dias, resolveu que ao invés de apresentar um trabalho ou portfólio em andamento para ele queria saber o seu olhar para o seu projeto de conclusão de curso na época. “Eles são muito referência, muito. Eu tava tentando entender o que que eu queria fazer de trabalho de arte.”
Em suas investigações, durante os últimos dez anos e meio, Raphael Escobar formou um olhar que permeia as ruas de sua cidade. Nos cruzamentos, nos encontros com pessoas que seriam levadas a admirar aquilo que viera a ensinar, sobretudo jovens e crianças. A arte sem subterfúgios, sem boas maneiras. Uma arte que se desenvolve com as aptidões individuais, onde muitos se encontravam. Nesse mesmo percurso, Escobar também buscava aprimorar o que de sua vivência aquilo poderia se transformar. “E eu sabia que não era uma coisa que eu olhava, não é uma pintura, não quero fazer uma escultura, daí eu liguei pro Diogo de Moraes (pesquisador, mediador cultural, artista visual) eu queria fazer um trabalho assim assim assado talvez você me ajude, ele me mandou o mestrado dele; Lugares Moles do Jorge Menna (Barreto, artista visual, nome dado à série de vídeos e fotografias); me mandou Estética Relacional, tava tentando mapear esses negócios que eu queria fazer e que naquele momento não tinha nome, não tinha referência de artista, Estética Relacional foi importante para ter referência de artista.”
A cidade de São Paulo formou Raphael Escobar em suas criações artísticas e nas criações das vivências suas e dos que por ele foram atravessadas. Como bem denota a curadora Isabella Rjeille em texto crítico “Seus trabalhos transitam num fluxo que vai e volta dos sistemas de símbolos da arte para o sistema de símbolos da ‘multidão’, passando pelo lugar comum aos dois: a cidade.”²
Do jovem educador saindo da estação Brás do Metrô, descendo as escadas rolantes e se dirigindo a fundação Casa para um encontro com a garotada³ até o mais amadurecido artista que me recebeu em seu ateliê na última semana de Abril para uma conversa e um café, permanece a mesma inquietação que a sua cidade lhe traz: as das disputas e conciliações entre dois lados da mesma moeda. Dos que tocam na roda de samba com ele as segundas feiras no bar da Nice no projeto Pagode na Lata e tiram um dinheirinho pra viver aos que com ele ajudaram por meio do Birico (baita projeto que proporciona novos caminhos pela arte para dependentes químicos) durante a pandemia e até os dias de hoje, a sua arte e a sua disposição em acolher se desdobra em lugares de mais encontros e de menos de distanciamentos.
Considere mudar sua assinatura gratuita para a assinatura paga :-)
Sou um escritor, colaborador do site e revista DasArtes, formado em museologia e em Curadoria e Expografia pela Escola Artes Visuais do Parque Lage.
Esse projeto requer tempo e dedicação, por isso se puderem sugiro duas modalidades de contribuição: Mensal (9,90 BRL) e Anual (70,00 BRL)
Os assinantes pagos terão direitos à:
Textos e ensaios exclusivos todo final do mês com todas as novas exposições e eventos do mundo das artes do mês seguinte devidamente selecionadas por mim, além de conversas com galeristas e curadores;
Comentários em todos os posts;
Ajudar a esse autor aqui a manter esse trabalho;