Rafael Bqueer. Onde Está a Arte. Número 11.
Atravessando espaços, há nas ações performáticas um modo de reafirmar a beleza das cores, do brilho do carnaval e das noitadas drag para friccionar os espaços neutros e institucionais do museu.
O corpo procura o seu espaço em um ritual de incorporação de suas vivências e busca por novas identidades. Jorge Luiz Souza Lima, ou mais conhecido futuramente como Jorge Lafond abria as portas de sua casa numa bela manhã na cidade de Nilópolis, baixada fluminense do Rio de Janeiro, e via um mundo de expressões, cores e saltos. Aos seis anos de idade se encantou pelos ritmos, pela alegria e a beleza estonteante do carnaval e percebeu que era uma criança que preferia o brilho dos figurinos e danças do que quaisquer imagens feitas a um garoto de sua idade. Se via em palcos e vestidos, em delírios e devaneios de uma vida de encanto pela natureza dos tons e dos movimentos.
Certa vez o já transformado e incorporado em sua identidade bela e imponente, Jorge Lafond dança com uma desenvoltura nas pontas dos pés. O ano era de 1991 e Lafond percorria a Sapucaí vestida de Alice, personagem inspirada no conto de Lewis Carroll. A escola de samba da Beija Flor de Nilópolis sob as rédeas e criação de Joãozinho Trinta trazia à avenida “Alice no Brasil das Maravilhas”, um espetáculo visual que como era de sua característica inseria ao espaço de privilégios e branquitude do carnaval institucionalizado do Rio de Janeiro a realidade crua dos morros, das esquinas, do racismo e preconceitos sob a aura da celebração. Espaços sendo invadidos para lançar uma provocação à cidade e ao país.
Na cidade de Belém, em uma outra manhã, uma criança abria as portas de sua casa e observava atenta às cores e aos ritmos que o envolvia. Batuques, figurinos e adereços. A cidade do Rio de Janeiro surgia envolta de glamour e encanto nos fins de semana de carnaval na Sapucaí em sua televisão. Adereços, abre-alas, alegorias e os corpos cintilantes deslizando sobre uma avenida onde só carros alegóricos em toda a sua mecânica e enormes montagens ocupavam a tomar os olhos do público e de um imaginário que faz dessa festa um monumento nacional.
Rafael Bqueer se transformou e continuamente a faz com a consciência de que há espaços a serem friccionados com a sua poética. Como fizeram Lafond e Joãozinho nos anos 90, nos espaços de arte contemporânea sua presença reaviva conceitos então renegados por serem de cultura popular e não se encaixarem nos cubos brancos. O que marcou sua trajetória, como em um certo momento revela, é sempre rever que o seu corpo sempre foi um corpo preta, dentro da academia, por mais que a amazônia tivesse uma perspectiva cabocla, afro indigena, quando entrou na Universidade Federal do Pará, em 2011. “Professores eram todos brancos, tinha um ou dois professores pretos, fundamentais.”
O curso na UFPA, para Rafael a levou a perceber a fundamental importância da fotografia, da luz e das paisagens da Amazônia, e a sensibilidade de documentar o espaço. O olhar dado ao seu entorno se mescla com o olhar que desenvolveu dentro de casa. Sua mãe é professora de sociologia e a partir dela teve início sua formação politizada, sob temas como letramento e questões raciais. O seu percurso na faculdade foi nutrido com o senso crítico forte que trazia de casa.
O Carnaval
No bairro de Ramos, no Rio de Janeiro, a Imperatriz Leopoldinense é quase uma instituição, respeitada e admirada por representar o bairro para o mundo. Nessa escola de samba Rosa Magalhães reina. Cenógrafa, carnavalesca e figurinista. Seus olhos desenharam refletidas em suas talentosas mãos e com os seus muitos sentidos um conceito do que pôde alargar as possibilidades da festa em algo iconoclasta e fiel aos seus estudos como acadêmica e professora. Em 2022 ela anunciou o fim de seu reinado, mas deixou como legado muitas histórias.
Uma dessas histórias, que talvez não tenha a marcado pessoalmente, mas que foi fundamental para a jovem Rafael Bqueer se aproximar a uma figura vital em sua formação. Após um primeiro contato, é apresentada para a grande Rosa da Imperatriz. É dito para ela que havia vindo do Pará para conhecê-la, e que Rosa de bate pronto responde com uma patada: “Tem certeza?” Rafael sente que “era uma pessoa jovem, muito iludida, realmente de uma paixão meio inocente, então era tudo meio brilho, purpurina.” O que não diminui, naturalmente, sua profunda admiração por Rosa, afinal ela com muitos desafios em sua vida era a única carnavalesca mulher solo do carnaval carioca.
Nesse período no Rio, havia concretizado um sonho: viver os ares da cidade que fervilhava com o samba, o carnaval e as esperanças de modernidade com os grandes eventos por vir. Na UFPA ganha uma bolsa de mobilidade acadêmica para a escola de Belas Artes, da UFRJ. Chega ao Rio tateando os espaços, sem conhecer outras pessoas, nutrido por seu sonho de estar ali. Percebe que as aulas de Belas Artes eram diferentes, em contraste com as muitas possibilidades que via na UFPA ao se debruçar em conceitos de arte contemporânea.
Foi na UFRJ que veio a conhecer Samuel Abrantes, professor da instituição que no segundo semestre de 2013 a levou para frequentar as escolas de samba com ele, após ver os seus desenhos de fantasias que realizava em Belém. Nessas andanças em barracões é que vem a ter seu encontro com Rosa Magalhães.
Samuel, que também se vestia de drag, passa a despertar ao lado dos personagens da série televisiva RuPaul's Drag Race em Bqueer, um desejo de se montar também.
O seu próximo passo foi se adentrar no universo profundo do carnaval carioca no período de um ano em que viveu na cidade. Passa a trabalhar para um carnavalesco do segundo grupo e faz estágio na Império Serrano. Lá dirigia o barracão na parte de alegorias.
Foi na vivência do carnaval o que a alimentou para pensar nas performances e na arte contemporânea. Diante de seus olhos percebia o estereótipo do carnaval e os bastidores quando trabalhou em comunidades, diversas favelas onde o medo e a violência andavam de mãos dadas com a alegria e o brilho do carnaval.
Alice no Mercado da Arte das Maravilhas
“Ai conheci a teoria queer, que é uma coisa totalmente branca, estrangeira, mas ai tem o meu corpo latino. Vou trazer para o meu corpo, como uma coisa contracultural.”
Rafael Bqueer
Meio princesa. Uma manga bufante. Em uma imagem, sob um vasto cenário de dejetos e sacolas plásticas, vemos de costas a figura pomposa com laços brancos nas costas, saia branca e longas meias brancas sobre as pernas. Dia ensolarado. No fundo, na linha do horizonte vemos uma mata fechada e alguns fios de torres de energia elétrica. No lixão do Aurá, em Belém, Pará vemos Rafael Bqueer caminhar sob as lentes atentas de uma câmera fotográfica. A performance documentada seria uma dentre tantas que faria sob a personagem criada por Lewis Carroll.
A sua Alice surge justamente do encontro poético de Joãozinho Trinta com seu carnaval de 1991 em sua fabulosa incorporação pela artista Jorge Lafond. Rafael Bqueer faz a sua fantasia de Alice no Rio em uma aula de costura e começa a caminhar vestida pela Central do Brasil em performances. Testando os olhares e reações. Somada a experiência pregressa nos barracões, seu período como arte educadora no Museu de Arte do Rio trouxe uma série de referências africanas, sobretudo das pesquisas em trabalhos afro estadunidenses, o que resultaria em projetos como o de Alice.
A performance documentada desse trabalho é referência hoje no Brasil para jovens pretos e pretas LGBTQI+ que tem em Bqueer uma trajetória concisa e que abre espaços antes fechados em museus e no mercado de arte.
“Vou transgredir. Olhava para a história da arte brasileira e não via referências de artistas LGBTQI+ pretas, era 2014. Aonde estão as LGBTQI+ pretas? Nas boates, no carnaval, no Rio de Janeiro sobretudo. Naturalmente me aproximo de Jorge Lafound como referência até hoje, na minha obra. A Vera Verão. É o Joãozinho Trinta como maranhense. Você vai se aproximando de quem você se reconhece.”
Rafael Bqueer
Durante quatro anos, a sua Alice subiu o morro de Santa Marta, caminhou por espaços em diversas cidades e então retornou para o Pará. O trabalho se dá nas ruas, na floresta, no Rio. Rafael Bqueer diz que esse trabalho tem a vivência da arte paraense, experimental, ousada, ao que admite que se estivesse ainda em Belém ainda estaria acumulando novas camadas a essa performance. Hoje admite que o vestido se sujou depois de tanto tempo e está guardado “sujo e imundo” em um plástico bolha. “Pronto para ir para o acervo do MASP”, brinca.
A festa Noite Suja
Vestida de plástico. Algo como uma escultura encaixada no corpo. Uns saltos no brechó. Na época tinha uma drag que amava, algo andrógina, Nina Flowers, que tinha moicano, uma porto riquenha, da primeira temporada do RuPaul's Drag Race. “Antes não tinha cabelo, eu sempre raspava a cabeça, depois fui entendendo construções raciais. Colava com ‘super bonder’ a peruca na cabeça pra ficar o moicano. Todo fim de festa pegava no bar o gelo para tirar. Até hoje tenho cicatriz. Zero orçamento, ardia. Tudo muito trash.”
Convidada por algumas amigas, se juntaram para participarem de uma festa. No período, outra personagem do reality havia feito um show em Belém, Jujubee. O nome da festa então surge como Festa Suja, onde na noite em que se veste inspirada em Nina Flowers vence a batalha, entre algo próximo a dez pessoas, coroada a primeira rainha.
Em 2016, Rafael Bqueer retorna ao Rio de Janeiro. Impulsionada por um prêmio que recebeu em 2015 por seu trabalho, pensa em desenvolver ainda mais o seu trabalho performático. “Com a parte museal e a pesquisa em arte, eu conseguia talvez ter uma qualidade de vida. Ressignifiquei minha vivência e minha postura com o carnaval. Não romantizei as experiências do carnaval do Rio de Janeiro, que é cheia de precarizações e desigualdades.”, confessa.
Nas alegorias, tem um termo que existe no carnaval que chama destaque performático. Bqueer diz que o interessante é que ela não é destaque de glamour e luxo. A personagem Vera Verão (criada como um personagem de humor por Jorge Lafond nos anos 1990 e que veio a ser incorporado ao programa “A Praça é Nossa”, do SBT) era uma destaque performática na avenida. “Uma figura que usa uma fantasia não tradicional. O corpo tem um protagonismo. A performatividade conta mais que a exibição barroca do luxo.”
Eu queria fazer no rolê drag, o que eu não conseguia fazer no museu
Em meio a algumas cervejas no bairro da Santa Cecília, em São Paulo, Rafael Bqueer contava um pouco de suas vivências entre Belém, Rio e São Paulo. Recorda que fez questão de chegar ao Rio de Janeiro para ser a estranha, a clubber. Meio cyborg. Meio floresta. E se utiliza de um variado léxico: meio caipora, caipora futurista. Adora festas de aparelhagem de djs que tocam em mesas que tem formato de naves espaciais. Que possui em suas veias um imaginário visual futurista, uma pesquisa por uma Amazônia futurista.
De seu trânsito pelo delírio do carnaval, com seus momentos mágicos em festas drag, o espaço para suas performances em galerias e instituições museais barrava no tal do cubo branco e na formalidade dos espaços. “Ficar no museu era um lugar careta, um lugar que demandava de mim regras, achava que se me institucionalizar minha arte ia ficar tão pobre. Uma festa de drag não. Não está sendo mais carnavalesca, na parte criativa da montagem do figurino, era só uma válvula de escape. Eu queria fazer no role drag, o que eu não conseguia fazer no museu. Ao mesmo tempo que eu sabia que precisava estar no museu porque era politicamente importante.”
Ao perceber que a cidade não era muito integrada, surge a ideia de tentar se manter entre os dois mundos - o da cena drag e festas noturnas e o do Parque Lage, onde estava estudando e os museus. Durante o dia era a Bqueer das Artes Visuais e de noite surgia Uhura. O nome é uma apropriação de Nyota Uhura, ou mais conhecida como tenente Uhura, da série Jornada nas Estrelas. Sua fascinação por séries de ficção científica e animês japonesas vem desde sua infância em Belém. A cidade por décadas foi destino para imigrantes japoneses no país.
No ano de 2019, uma grande surpresa, determinante para sua trajetória: a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, através de um edital, patrocinado por colecionadores que colaboraram com a instituição, promove uma estadia em Nova York para artistas. Bqueer vence. Sua proposta é a de pensar o cinquentenário da revolta de Stonewall com uma presença preta e latina.
“Apropriação da imagem, pop art, uma vivencia de uma ellite, burguesa, num cenario, pra mim é a contrapop, meu trabalho sempre partiu dessa perpectiva.”
Rafael Bqueer
Então pensa em algo para o espaço público. Foi durante essa pesquisa que surgiu a série UóHol, em 2019. Em muros da cidade nova iorquina aparecem lambes de pop art inspiradas no trabalho de Andy Warhol. Os retratados no entanto são pessoas pretas, afro brasileiras, que carregam sua ancestralidade, figuras do mundo queer lgbt: a ícone Madame Satã, Marcia Pantera, uma famosa drag preta, “deusa do bate cabelo” como diz; Leona Vingativa, mulher trans do Pará. Ao final surgem as quatro em um painel. Na hora do título, pensou em um trocadilho a partir da linguagem pajubá: joga o “uó” que é algo visto com desdém com uma referência ao ícone da pop art.
Observa nos americanos que eles reconhecem o padrão de cores, mas não sabem quem são os ícones nos lambes, nem seus valores. “Uma dupla crítica de valorização de lgbt preta, tudo tem humor, meu trabalho tem humor ácido crítico." Gosta de um trecho de um texto escrito pelo artista e curador Leandro Muniz em que este descreve seus trabalhos como entre o deboche e a ironia, onde a ironia tem um lugar mais acadêmico, e o deboche um lugar mais popular.
A performance no Leblon e os Super Zentai
“É infantil, é africano, é indigena, é não europeu, não acadêmico, o uso da cor o exagero da cor é politico, trabalho do Ranger (Super zentai) traz tudo isso.”
Rafael Bqueer
Beyoncé. Formation. Panteras Negras. Problematizar a questão afro estadunidense para Rafael Bqueer complementa discussões preta no mundo.
Durante o período em que esteve trabalhando no educativo agora do Museu do Amanhã, resolveu fazer uma ação performática na praia. Sem edital, sem nada, só com uma boa ideia na cabeça.
A praia do Leblon foi a escolhida. Consta de reportagem da jornalista Ana Paula Silveira, do Jornal do Brasil, de 26 de Julho de 2019, que o nome do bairro surge a partir de uma homenagem ao empresário francês Charles Le Blond, dono de parte das terras da orla da zona sul em 1845, loteadas e vendidas posteriormente. Ali havia ainda um quilombo, chamado Seixas, que acabou sendo completamente desocupado com a abolição da escravatura, em 1888. ¹
O sobrenome Le Blond em uma cidade onde sua população majoritária é preta traz as contradições implícitas na relação da Zona Sul e o restante da cidade, sobretudo entre as favelas e comunidades. Nessa praia Bqueer promove uma ação onde vários amigos descem a divisa de Ipanema até o Leblon. Todo mundo de preto. “Era gritante o contraste com as pessoas pretas babás trabalhando, os moradores brancos andando com os cachorrinhos.", diz. “Gosto de pesquisar as palavras, etimologias, para os títulos dos trabalhos. Lenoir, passeata preta, antiga fazenda do bairro, Leblon (loiro), importantes questões raciais na cidade, espaço público, questionar o local da ocupação da cidade.”
Surge então um trabalho de maior cunho racial, Lenoir. Sai o loiro e entra o preto.
Outra ação performática que surge no Rio é o Jogo do Bicho. Na ação Rafael convida pessoas das escolas de samba, para jogar bilhar, tomarem um sol na cadeira de praia, todos com máscara de bichos. Bqueer participa também com uma máscara de veado. As noções de representação trata do esquema da contravenção tão presente nos morros cariocas desde os tempos do Império, que vem a se tornar uma prática de aposta que mantém o crime organizado. Além dos corpos ali personalizados em rostos animalescos. Uma provocante e precisa crítica social.
“Brasil tem uma luta muito grande em não cair na imagem da escravidão.”
Rafael Bqueer
Super zentai. A máscara e a fantasia que cobre todo o corpo evoca símbolos da cultura japonesa, neste trabalho performance que confronta os espaços onde os corpos adentram e interagem. No último ano da residência no Red Bull Station, no centro da cidade de São Paulo, surge a ideia de experimentar o zentai de super herói e toda a sua aparência debochada. A fantasia cobre então a pele preta. Durante aquele período percebia como havia naquele momento no mercado de arte a noção de exotizar o trabalho de pessoas pretas. O ranger para Rafael Bqueer trazia também a sua vivência no Belém do Pará com a forte migração japonesa, que surgiram para trabalhar em fazendas de pimenta do reino, e com a cultura pop que foram vitais em sua formação.
“Hoje em dia não tenho medo de nada, mas na época tinha muita insegurança, porque pra mim o mundo da arte contemporanea era isso. Historicamente a performance tem uma relação com a Europa e com os Estados Unidos, é aquela galera e seus corpos neutros, que era tudo que eu nunca quis ser. Sempe quis ser um corpo barroco exibido. Power ranger rosa que continua debatendo a questão de gênero, e tem essa coisa do povo preto enclausurado ali.”
Rafael Bqueer.
Com a fantasia pronta, Rafael Bqueer começa a andar pela cidade de São Paulo com a indumentária no corpo. Caminha certa vez do Anhangabaú até a Avenida Paulista. Em frente aos prédios imponentes e os carros em movimento observava a frieza paulistana. Caminha como Ranger rosa no metrô lotado e novamente: uma frieza absoluta. “Diferente do Rio, lá as pessoas gritam, xingam, empurram, interagem excessivamente”, brinca. Quando param questionam se é homem ou mulher. “Tem essa coisa da performance de não responder, como é uma fantasia entre aspas, a pessoa tem uma expectativa de um entretenimento, e isso não acontece, o corpo só ta andando.”
Em 2018 é indicada ao prêmio EDP, do Instituto Tomie Ohtake. Passa a ser um divisor de águas. Na exposição, Bqueer traz de volta seus super zentais. Nesses trabalhos há o desejo de pensar a sexualidade, gênero, leitura pop. A expressão traz também uma prática fetichista sexual, em como as pessoas se encontram com as roupas. A partir desse olhar, os corpos ganham múltiplos significados, como a sua Alice.
Os corpos então causam incômodo em algumas pessoas dentro do cubo branco. Rafael Bqueer gosta de pensar que quem faz os trabalhos é uma pessoa latino americana, preta, amazônica, um corpo não hegemônico para o famigerado cubo branco, causando estranheza a partir dessa identidade.
Um outro ícone, presente em sua série UóHol, de 2019, Madame Satã foi uma personagem da vida noturna e marginal da Lapa carioca na primeira metade do século XX. O seu corpo naquela época era uma ameaça. Sua identidade era uma ameaça. Bebendo e reverenciado àquelas que viveram, sofreram mas não desistiram em atravessar a cena com alegria e cores as avenidas da vida, Rafael Bqueer observa que as cores são vitais em sua percepção artística. “Com o tempo vou vendo esses trabalhos e eu percebo o que me interessa: a cor me interessa. Vários amigos me falaram que o meu trabalho é pictórico, é pintura expandida. A cor é fundamental no meu trabalho. As cores neon das drags que eu uso nas aparelhagens do techno brega.”