Onde Está a Arte. Um Roteiro para Assinantes. Semana 11.
No MASP, um dos grandes nomes da arte brasileira da geração 80. No IMS, uma fotógrafa que oferece novos olhares para a modernidade nas cidades. No CCBB, um artista que quebrou barreiras.
Essa é a décima primeira edição da série Um roteiro para assinantes, que como o nome já diz, será um produto feito para assinantes pagos.
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Durante as próximas semanas apresentarei trabalhos feitos pela diretora de fotografia e fotógrafa Alice Gouveia.
Diante de tantos nomes importantes da fotografia no país, seu trabalho soa promissor. Há um cuidado com a escolha de ambientes e suas percepções instigantes do efêmero.
Na imagem abaixo, sua mão é inserida sobre a luz que reflete sobre sua câmera. Cria um efeito de jogo com a sombra num pretenso contato com a superfície da parede em que se lança os contornos de seus dedos.
Agora vamos lá para o apanhado que preparei para os assinantes pagos nessa terceira semana de Setembro :-)
Semana 17/09
A intensidade com que Leonilson se expõe nos aproxima ainda mais de sua vasta produção,
ao nos colocar em um contato imediato com seu íntimo. É uma jornada de não retorno. Se aceitarmos caminhar por uma exposição sua e nos dedicarmos a mapear as construções de sua obra surgirá ao nosso encontro a fragilidade da alma. O inconsciente humano em meio a rachaduras no solo são os seus traçados cravados em um pedaço de lona. Estão ali, marcados.
Duas palavras são lidas: “Otário” e “Carente”, no extremo lado direito da obra. Próximo as duas palavras se leem: “O pato”; “O bobo”; e “O dia do herói”. Há um pequeno desenho de um pato entre elas.
Leonard Cohen recita na canção “Anthem”, do álbum “The Future”, de 1992, o seguinte verso: “There is a crack in everything, that's how the light gets in” (“Há uma rachadura em todas as coisas, é dessa forma que a luz pode entrar”).
Tal qual vemos na canção do músico canadense, Leonilson se permite apresentar as densas rachaduras de dentro de si para deixar a luz de uma obra ousada e radical nos confrontar. Seus sentimentos são explorados a flor da pele, incontroláveis. São desenhos que ocupam um pequeno espaço num pedaço de papel ou numa grande tela. Em sua grande maioria se apresentam num pedaço de lona, como se o objeto de seus desejos estivesse num material efêmero, como seus sentimentos: frágeis e dispostos.
A luz que permite entrar nas rachaduras nos torna mais vivos também. Em um minimalismo aparente, suas criações são diários que expressam seu ser em determinados momentos de sua vida. São pinturas, desenhos, objetos, bordados, instalações, tecidos. Torres, corações, escadas, montanhas, vulcões.
O MASP (Museu de Arte de São Paulo) abriu no dia 23 do mês passado uma grande exposição na principal galeria do prédio de Lina Bo. “Agora e as oportunidades” é o nome da exposição. É o nome também de uma obra do acervo do museu, datada de 1991. Feita de acrílica, tinta metálica e lápis de cor sobre lona, apresenta corpos sobrepostos. “Sou um homem só, sou dois”, se lê de um lado. “Agora, e as oportunidades”, se lê de outro.
Dividida em cinco salas, a exposição com a curadoria de Adriano Pedrosa e assistência curatorial de Téo Teotonio é um recorte temporal da vida do artista nascido em 1957 em Fortaleza, Ceará. Como em um filme, cada sala representa os últimos anos de vida de Leonilson. Vai de 1989 a 1993. Soa como um relógio invisível ao caminharmos pelos ambientes. Com o tique-taque da efeméride que é a existência humana. Sua morte, por AIDS em 1993, deixa um vazio conforme alcançamos a última sala: vemos bordados em roupas claras de tecido fino penduradas em cabides e em duas cadeiras. As obras expostas estiveram na Capela do Morumbi no ano de 1993, após sua partida. Deixou instruções do que seria a sua última exposição. Lisette Lagnado, curadora de diversas exposições sobre o artista e autora de um livro chamado “Leonilson: são tantas as verdades” descreve sobre essa obra: “Como Eva Hesse (escultora estadunidense, uma das inauguradoras do movimento pós-minimalista), Leonilson estava impelido a buscar um material que fosse o suporte ideal para abordar a ideia de desmaterialização do corpo. Nesse sentido, a transparência de seus panos equivale ao látex, à gaze e fibra de vidro de Hesse.”
O artista, um dos principais nomes da chamada “Geração 80”, esteve tão em destaque nos últimos anos (com exposições nas galerias Almeida e Dale, Superfície, na própria Capela do Morumbi ano passado, além de uma outra grande exposição na Pinacoteca do Ceará) que pode surgir a questão: para que uma outra no MASP? A resposta está em um catálogo robusto feito pelo museu paulistano, além de consagrar o artista no ano temático da instituição sobre Histórias da Diversidade LGBTQIA+. Leonilson foi ativo politicamente em suas obras ao tratar do preconceito, sobretudo na época, com portadores de HIV e contra outras minorias.
Imaginar uma exposição que dê conta da obra profícua do artista é um desafio. A do MASP se prende a uma narrativa que soa antiquada, ao enumerar os anos de forma linear, mas as obras falam por si. Sair do museu com a pulsão de vida de Leonilson é o grande atrativo. As luzes que entram nas rachaduras são dos seus desejos e o quanto desejar e amar fere quando o mundo parece não dar conta do tanto que ele está disposto a dar. É uma explosão.
Lisette Lagnado complementa em outro momento: “Leonilson foi movido pela compulsão de registrar sua interioridade a fim de dedicá-la aos objetos de desejo”.
Museu de Arte de São Paulo
Avenida Paulista, 1578,
São Paulo/SPAté 17 de Novembro
Terça, 10h as 20h. Quarta a Domingo, 10h às 18h. Fechado às segundas

Um senhor de chapéu deita de bruços em uma faixa arborizada na cidade de Campos do Jordão,
no centro da imagem que revela seus braços cruzados a apoiar sua cabeça contra o pequeno mato. O sujeito repousa. Suas pernas, cruzadas, apoiam-se na área externa da faixa com algumas jovens árvores e dois conjuntos de plantas que crescem no espaço. Em uma placa, ao centro, próximo a cabeça do homem desconhecido, se lê: “Não pise na grama”. 1973 é o ano em que a imagem foi tirada. Stefania Bril é o nome da fotógrafa que deu o clique na câmera.
Desobediência pelo afeto é o nome da exposição que se encontra no Instituto Moreira Salles, com curadoria de Ileana Pradilla Ceron e Miguel Del Castillo, e que revela dentre tantas imagens, a que descrevo no começo desse texto. Onde o singelo e o corriqueiro ganham um registro para a posteridade. Não são quaisquer impressões no tempo, são marcos de uma modernidade falida. Sucumbidas diante de uma pretensa revolução estética, revela um projeto de cidade que exclui e não inclui os mais desfavorecidos. É brutal, pois promove uma constante ruína para dar lugar a um desenvolvimento de sociedade.
11 mil fotogramas, produzidos entre 1969 e 1980, são o conjunto total de sua obra, hoje guardadas dentro do acervo do IMS, junto com seus arquivos. Foi uma reconhecida critica (escrevia para diversos órgãos de mídia, dentre esses O Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde), além de curadora e articuladora no campo da fotografia no país. Dedicou boa parte de seu tempo a dar vida a um centro cultural voltado a prática da fotografia. Nascida na Polônia, chega ao Brasil em 1950, já formada em química e por essas terras percebe na arte da fotografia um modo de operar sua nova realidade.
A exposição revela um olhar cuidadoso para com a cidade (além de São Paulo, há imagens suas em metrópoles europeias) e para com os seres humanos que nela habitam. São flashes que carregam um instante tão fugaz que parecem flutuar no tempo, como a da família em frente a diversos carros estacionados em frente à Casa Vogue, sem data. Dois homens olham a família de longe com seus ternos, gravatas e sapatos que brilham. A família, paupérrima, parece estar à procura de alguns trocados. A cidade de São Paulo não mudou muito, afinal já dava uma mostra do que seria a modernidade tão anunciada. De um lado, pessoas, de outro o concreto. Há também crianças que riem juntas, brincam e saltam no canto de uma parede.

O tempo trataria de deixar esses movimentos ofuscados pelas memórias já apagadas por quem esteve nesses ambientes, mas Stefania tratou de transformá-los em registros, sejam de um país que lidava com uma Ditadura, seja com lugares que conviviam com suas vidas pacatas, como a do menino que lia um gibi em um carrinho de supermercado, na Rua França, em São Paulo, no ano de 1973 ou as do Sr. Eduardo e dona Egydia Salles, em Campos do Jordão, no mês de outubro do ano de 1970. Afetos que confrontavam com uma realidade, como as que Stefania promovia com sua câmera, desobedecendo regras do que deveria ser registrado.
Instituto Moreira Salles
Galeria 1 - 6º andar
Avenida Paulista, 2424
São Paulo/SPAté 26 de Janeiro de 2025
Terça a domingo e feriados (exceto segunda) das 10h às 20h. Última admissão: 30 minutos antes do encerramento
"Fui um homem que nunca tive amor na vida", "Sou um homem muito inteligente",
entre outras definições assim se apresentava Antônio Roseno de Lima, ou simplesmente A.R.L. em suas obras. Nascido em Alexandria, Rio Grande do Norte, em 1926, parte na fase adulta para o centro-sul do Brasil fugindo da seca. Deixa a família e se aventura pelo país até chegar em São Paulo para dar melhor condições aos que deixava. No ano de 1961, faz um curso de fotografia e se dedica a registrar aniversários e casamentos. Se muda para Campinas em 1976 e lá se estabelece na favela Três Marias. Vive até sua morte em junho de 1998 em meio a um barraco repleto de desenhos e pinturas.
Pedaços de latas, papelões, madeira e janelas encontradas no lixo se tornava obras de arte com sua precisão em contar histórias sobre seu cotidiano e sobre o mundo que o cercava. Graças a descoberta do professor da Unicamp, Geraldo Porto, passa a ganhar espaço para além de sua redoma, e de suas vendas esporádicas de pinturas: Em 1991, tem uma individual na galeria Casa Triangulo, em São Paulo, e em 1995, uma na Cavin Morris Gallery, em Nova York.
A exposição Vida e Obra no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro traz um impressionante recorte de quem foi A.R.L. para a arte brasileira. Geraldo Porto, o professor que descobre seu talento, percebe que sem nunca ter estudado a história da arte, o artista brasileiro surge com uma obra que pode ser inserida no que foi chamado de Art Brut (termo em francês, criado pelo pintor Jean Dubuffet, para designar uma arte livre da influência de estilos oficiais e imposições do mercado da arte).
Autorretratos, onças, vacas, galos, bêbados, mulheres e presidentes. Suas obras são um cosmos de desenhos simples, de traçados sem precisão, mas que servem no proposito de identificar o que lhe era percebido no ambiente em que vivia. A exposição no CCBB ainda traz suas obras com colagens e fotografias com intervenções do artista e em diferentes suportes.
O que há de mais extraordinário em sua vasta produção é o quão por meio de materiais rústicos, produz mundos que habitam seu imaginário. A expografia da mostra promove um encontro ainda mais íntimo com o seu ser. O que surgia de suas produções na favela Três Marias parece acompanhar suas aflições e desejos, sua solitude e sua solidão, permeada por cores saturadas e inscrições chamativas como a que revela: "Queria ser um passarinho para conhecer o mundo inteiro!" Em sua vida deixou uma arte ousada, por mais simples que pudesse parecer.
CCBB Rio de Janeiro
2º andar
Rua Primeiro de Março, 66 – Centro,
Rio de Janeiro/RJAté 28 de Outubro
Terças fechado; de quarta a segunda, de 9h às 20h.
Por onde anda a arte:
Cinco sugestões imperdíveis que eu não seria capaz de perder.

Trilha. Fortes D’Aloia Gabriel. Iran do Espirito Santo. Discos que giram em pinturas de aquarela, evocam vozes do passado que o artista leva consigo em sua história de vida. Até 09 de Novembro. Rua James Holland, 71, São Paulo, SP.
Cabocos na cidade: Feito planta em vaso. Ateliê397. Júlia Maynã. As vivências entre a aldeia e a cidade são retratadas em pinturas, desenhos, áudio, cerâmica e instalações. Até 12 de Outubro. Travessa Dona Paula, 119A, Higienópolis, São Paulo, SP.
Como terminar uma tese: o tempo da cor. GDA. Juliana dos Santos. O azul se dissolve em telas, desenhos e uma instalação. A força do mar que leva nossos olhos para além do espaço da exposição. Visita aos sábados das 11h as 17h. Rua Barra Funda, 654, São Paulo, SP.
A forma do fim. Pinacoteca Estação. Exposição coletiva. Sessenta esculturas que representam as passagens do tempo e de ciclos da vida. Até 04 de Maio de 2025. Largo General Osório, 66, Santa Ifigênia, São Paulo, SP.