Onde Está a Arte. Um Roteiro para Assinantes. Semana 07.
Dois nomes incontornáveis do surrealismo abstrato em grande mostra agora em SP. Em duas galerias da cidade, duas belas individuais. No MAC USP, absoluto deleite por pinturas a têmpera de ovo.
Essa é a sétima edição da série Um roteiro para assinantes, que como o nome já diz, será um produto feito para assinantes pagos.
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Como estive ausente por alguns meses e esse é o primeiro roteiro que faço desde então, o acesso abaixo está liberado.
Agora vamos lá para o apanhado de exposições que preparei para os assinantes pagos nessa terceira semana de Junho :-)
Semana 17/06
O cosmos por si só já é uma das mais belas obra de arte,
basta observar os dados coletados pelo telescópio James Webb. Com resoluções cada vez mais detalhadas, as imagens são uma explosão de cores e formas. Décadas antes do homem conseguir enviar ao espaço robôs inteligentes para coletar imagens de diferentes pontos do universo a artista nipo-brasileira Tomie Ohtake produziu telas feitas com tinta acrílica que emulavam com precisão o que o vasto espaço viria a nos revelar nos dias atuais.
Em exibição na galeria Nara Roesler, em São Paulo, é possível testemunhar com os próprios olhos um recorte de pinturas feitas durante os anos 1990 que se desdobra em uma fase da artista em que há claras referências à cosmologia: Tomie aplicava camadas de pinceladas que se permite desmanchar criando efeitos gasosos sobre as telas. Diferentes críticos de arte já se detiveram e escreveram sobre o que é conhecida como sua “Fase Cósmica”, dentre estes, Frederico Morais e Miguel Chaia.
Para esta exposição, a galeria reuniu Paulo Miyada, atual diretor artístico do Instituto que leva o nome da artista e Rodrigo Ohtake, arquiteto e neto da artista, para assinar, respectivamente, a curadoria e o projeto expográfico.
O percurso pelos espaços da galeria revela um tom sóbrio até se revelar na luz intensa da última sala onde há uma de suas esculturas feitas a partir de linhas metálicas curvas ganhando tons esbranquiçadas. As curvas da escultura no centro da sala são observadas por uma série de pinturas avermelhadas, em fortes tons, como se abraçássemos a brasa de um sol ou de uma junção de estrelas em sua máxima intensidade de luz para criar algo que os olhos humanos podem assemelhar a uma longa explosão.
A junção dessas telas em acrílico cria um efeito desconcertante. Nessa fase a artista deixa de lado a tinta a óleo para dar vazão aos efeitos que surgem com esse outro tipo de tinta.
Ao sair dessa sala, do que podemos chamar de clímax da mostra, e voltar à iluminação menos clara é possível observar telas menores com essa mesma dinâmica, de formar com os olhos da artista, um vislumbre da natureza do cosmos, em seus muitos usos de tons cromáticos.
No texto que escreveu para a exposição, Paulo Miyada revela que “trata-se de um momento em que a artista afina sua atenção às gestualidades pictóricas na sobreposição de camadas e transparências, tendo uma coleção de formas arquetípicas como seu objeto recorrente. Nesse sentido, Ohtake se afasta das matrizes da arte abstrata concreta e aproxima-se, simultaneamente, de tradições orientais (em especial do ensō no zen-budismo) e de imagens evocativas da natureza (em especial do cosmo)."
A exposição Infravermelho permanece na galeria até o final desse mês e nos convida a uma pausa na materialidade dos barulhos de carros e transeuntes que cruzam a Avenida Europa e um encontro íntimo com essas pinturas que não devem em nada ao que a NASA tem a nos revelar.
Galeria Nara Roesler
Avenida Europa 655, Jardim Europa
São Paulo/SPDe 13 de abril a 30 de junho
Segunda a sexta, 10h às 19h. Sábado, 11h às 15h
“Uma exposição é um momento concentrado, materialização de tempos diversos neste instante, que breve desaparecerá.”
Fernanda Gomes apresenta na galeria Luisa Strina sua nona exposição individual. Há 30 anos atrás, a mesma artista expôs pela primeira vez nesse mesmo local. O tempo presente também vem a marcar os 50 anos que essa mesma galeria surgiu na cidade de São Paulo.
O tempo se desloca, busca alocar matéria tangível e memórias na medida em que nos vemos imersos em novos contextos. Saem casas, surgem prédios. A ação humana muda uma virgula e toda a imagem de um lugar muda de posições, ganha novas barreiras, novos corredores.
A arte de Gomes é a obra de um deslocamento constante onde a luz trabalha ao oferecer possibilidades aos nossos olhares. Há o improviso do jazz, mas há o rigor também de um mesmo som de jazz. Na cor branca que envolve todo o espaço os materiais feitos de madeira, mas que podem ser também de papeis, diferentes fios, metais, formam um mundo particular. Esculturas e pinturas. Construções que surgem sem a limitação de tempo. Ao término da exposição ganharão outros ritmos, seja na casa de um colecionador, seja no próprio ateliê da artista ou no galpão da galeria. O que se vê hoje, precisamente em 18 de junho de 2024, enquanto escrevo e a exposição se encontra aberta da maneira como Fernanda Gomes deixou à vista de nossos olhares é um acontecimento único, como em todas as suas exposições, sua verdadeira obra de arte. Colecionador algum poderá ter o que ela criou naquele espaço.
A artista fica por semanas na sala com seus materiais antes da abertura. Reconfigura. Monta um pedaço, experimenta um conjunto em outro. Quando adentramos para caminhar sobre sua configuração final os objetos ficam congelados e em movimento o tempo inteiro. Suspenso, fixos nas paredes, no chão. É um exercício constante para o visitante percorrer suas exposições. Faz nos contorcer em pé, abaixar para ver três pedaços de madeira dentro de um armário improvisado.
“A arte tem esta capacidade mágica de fazer ver certas coisas. Às vezes basta uma mudança mínima de perspectiva para revelar outros mundos, outros mistérios.”, diz em texto divulgado pela galeria em seu website.
Há um desenho arranjado, meticuloso, mas inesperado. Para quem gosta de jazz, Fernanda Gomes entrega aquelas batidas e acordes que nos derrubam de verdadeiro encanto. Puro deleite. Uma arte que não parece estar a venda, o que é contraditório já que ela expõe em uma galeria de sucesso.
Galeria Luisa Strina
Rua Padre João Manuel, 755
São Paulo/SPAté 20 de Julho
Segunda a sexta, 10h às 19h. Sábado, 10h às 17h
Ao compor uma cena, Eleonore Koch revelava uma imagem de seu mundo interior,
imbuída de um olhar que parte do que observava da paisagem. Jardins e parques em Londres, em Versailles. Portos e praias. Ambientes externos a fascinava, tal como ambientes internos. Uma cadeira, uma mesa com um vaso em cima, uma poltrona, um biombo. Tradição da pintura burguesa europeia, as Zimmerbilds, ou cenas de interior, consistiam na representação de objetos nos mínimos detalhes.
Em Koch essa tradição tinha ressonância com seu estilo de vida. Era de uma família com dinheiro e pôde usar de seu tempo para viajar e viver de sua arte, mesmo que em muitos momentos tenha buscado trabalhos para poder ter sua independência financeira: foi vendedora de livros, atuou como secretária e assistente de cenografia, entre outras.
Com a curadoria de Fernanda Pitta, a exposição Eleonore Koch: em cena, no MAC USP apresenta um vasto recorte de sua trajetória, desde obras de colecionadores privados (alguns expostos ao público pela primeira vez) a acervos de museus. É possível mergulhar em sua vida por meio de fotografias, cartões postais e textos, além de objetos pessoais da artista.
“Ela é referência para artistas que se interessam pela capacidade de comunicação da pintura: a concisão de suas estratégicas compositivas, seu arguto senso cromático, sua metodologia obsessiva, colaboram não para um formalismo encerrado em si mesmo, mas que se nutre de perguntas acerca da intersubjetividade e da agência do mundo sobre nós. O que a pintura dá a ver e a quem? Como se estabelece a conexão entre artista e público? No que a pintura contribui para a percepção do mundo que nos cerca, que habitamos e que nos habita?”, afirma a curadora em texto escrito para a exposição.
Frequentadora do ateliê de Alfredo Volpi, observava com afinco seu método de produção de pinturas. Se inicialmente era voltada a escultura e pinturas à óleo, foi em 1953 que introduz o uso da têmpera de ovo. Foi uma mudança de chave em sua trajetória como artista. Por se tratar de uma técnica dificílima de colocar em prática (remonta ao tempo dos mestres italianos do Quattrocento), a pintura a têmpera é aprimorada de artista para artista, ao menos para Volpi que jamais a ensinara como manusear a elaboração dos pigmentos sobre a clara de ovo. Koch fez suas anotações mentais ao observar o que pôde de seu amigo e criou sua própria maneira de reinventar as cores em suas telas, muitas em um nível de precisão e sofisticação que demonstra seu largo estudo com composições cromáticas e usos dos pigmentos sobre a tela.
Uma outra persona que descobrimos na exposição é a sua paixão por cinema. Um exemplo disso são os fichários que possuía com colagens e anotações com imagens e sinopses dos filmes que recortava de jornais e revistas. Havia uma pesquisa constante do uso da composição de cenas em suas pinturas, isso fica claro ao observarmos as disposições dos objetos no enquadramento das imagens nas telas.No texto curatorial, Pitta destrincha com precisão cirurgica essa faceta no trabalho da artista: “A metáfora do título da exposição remete ao cinema: “cena” é a unidade dramática de um roteiro, que pode ser coberta a partir de vários ângulos, chamados de planos ou tomadas. Muitas das obras parecem cenários para acontecimentos que acabaram de se dar ou ainda estão por se realizar. A quase total ausência da figura humana é contradita pela presença reiterada de objetos carregados de afetividade, personagens de um enredo silencioso.
A analogia cinematográfica também estrutura a exposição, organizada a partir dos gêneros pictóricos em relação aos tipos de enquadramento: as paisagens que remetem a planos gerais (marinhas, desertos e jardins); interiores remetem plano médio; e as naturezas-mortas aos primeiros e primeiríssimos planos. O pensamento cinematográfico que rege seus enquadramentos, planos-sequência e cortes reverbera na forma como o espaço da exposição foi concebido. O público é convidado para um travelling sem percurso predeterminado, um mergulho numa narrativa aberta. Pois se a pintura de Koch sempre partiu de uma série de intenções conscientes, para a artista seus trabalhos deveriam manter um espaço aberto às sensações e aos significados construídos pelo público, que por eles se deixa afetar.”
Estruturada a partir dos usos que fez das cenas que deu vida em suas pinturas a têmpera, a exposição é um convite íntimo por sua vida, para além de seu exímio ofício como artista. É um passeio por seus amores (um filme lançado esse ano no festival ‘É Tudo Verdade’, dirigido por Jorge Bodansky, “As cores e amores de Lore”, dá contornos ainda mais profundos aos seus relacionamentos entre a arte e sua vida privada), por sua independência e sua sofisticação ao eternizar com tamanha beleza os frames de todos os cenários por onde passou.
Museu de Arte Contemporânea - Universidade de São Paulo
Avenida Pedro Álvares Cabral, nº 1301, Vila Mariana
São Paulo/SPAté 17 de Julho
Terça a Domingo, 10h às 21h. Fechado às segundas
“Abstrações de Miró vivas”,
foi como o jornal The New York World-Telegram, no ano de 1936 descreveu os móbiles do norte-americano Alexander Calder (1898–1976) em referência as pinturas soltas do espanhol Joan Miró (1893–1983). Quando esse comentário aparece na imprensa da época é notória a relação de amizade e trocas mútuas de suas investigações na arte. Um parece introduzir no outro uma pulga atrás da orelha: o uso do abstrato em criações que privilegiavam o estudo a partir das cores sobre superfícies bi ou tridimensionais, onde um expandia os caminhos formais do outro. A intimidade em suas obras surge nos períodos mais efervescentes da história da arte moderna.
O contexto em que um esbarra no outro e a história ganha seus próprios contornos tem início em Paris no ano de 1928. O fim da Primeira Guerra Mundial desperta nos jovens artistas um desejo de promover uma quebra de sentidos no que se produzia e se pensava em arte. Calder se aproxima de Piet Mondrian e Jean Arp, ao passo que Joan Miró se torna próximo dos surrealistas, sobretudo de André Masson. Na efervescência daqueles anos, os dois se aproximam e cruzamentos constantes (de Bienais a projetos que realizaram juntos) passam a se dar continuamente, até a morte de Calder em 1976.
Exibida em 2022 no Instituto Casa Roberto Marinho, no Rio de Janeiro, a exposição Calder + Miró traz a São Paulo cerca de 150 peças, que incluem desde pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, móbiles, stabiles, maquetes, edições, fotografias e joias. O diferencial aqui é mostrar como essa amizade reverberou na cena artística brasileira durante os anos que acompanham suas produções, sobretudo nos artistas abstratos dos anos 50, 60 e 70. Dentre os artistas que foram diretamente influenciados estão Abraham Palatnik; Aluísio Carvão; Antonio Bandeira; Arthur Luiz Piza; Franz Weissmann; Hélio Oiticica; Ione Saldanha; Ivan Serpa; Mary Vieira; Milton Dacosta; Mira Schendel; Oscar Niemeyer; Sérvulo Esmeraldo; Tomie Ohtake e Waldemar Cordeiro.
A curadoria está a cargo de Max Perlingeiro, através das pesquisas de Paulo Venâncio Filho, Roberta Saraiva e Valéria Lamego.
Uma série de 23 pinturas pequenas sobre papel chamada de Constelações (Constellations) produzidas por Joan Miró em 1939 na comuna francesa de Varengeville-sur-Mer e concluída em 1941 entre Mallorca e Mont-Roig del Camp, na Espanha produziu uma bela aproximação entre os dois artistas. Em 1943, Calder realiza um stabile feita de madeira que emula as pinturas de Miró só que em três dimensões. A sua obra também leva o nome de Constellations.
Formas abstratas díspares e em cores que pulsam em esculturas que parecem se moverem, mas ao mesmo tempo se sustentam na superfície do chão. Esses são os stabile. Os mobile, outro tipo de escultura produzida por Calder, são suspensas no ar, se movem e giram em cores. Criam uma atmosfera onírica e fantástica. Se torna precursor de uma arte cinética que influenciaria artistas em todo o mundo, sobretudo no Brasil na figura de Abraham Palatnik.
Nas tais pinturas pequenas de Miró é possível deixar o olhar flutuar junto aos signos abstratos que habitam as telas. “A Estrela da Manhã” (The Morning Star), é uma das peças mais delirantes da série. Nas constelações de Calder, as linhas se cruzam entre objetos que emulam asteroides coloridos que são capturadas.
Ao ocupar todas as salas do Instituto Tomie Ohtake, a grande exposição pretende dar um panorama vasto das obras dos dois e de artistas brasileiros atravessados pelas experimentações do americano e do espanhol. Na visita que fiz ao Instituto Casa Roberto Marinho, em 2022, na ocasião da mesma mostra naquele espaço, lembro de ter saído estupefato com tamanha ousadia, ao retratar o clima da Paris e depois da Nova York no auge do movimento surrealista e abstrato.
Instituto Tomie Ohtake
Rua Coropés, 88, Pinheiros
São Paulo/SPDe 21 de Junho a 15 de Setembro
Terça a Domingo, 11h às 19h. Fechado às segundas
Por onde anda a arte:
Cinco dicas culturais imperdíveis pelo país que eu não seria capaz de perder:
In-Edit Brasil Festival - filme Let’s Get Lost (1988) versão restaurada em 4K, dirigido pelo fotografo Bruce Weber. - Chet Baker, um dos grandes nomes do jazz se muda para a Europa diante de seu ostracismo nos EUA.
Datas: 19/06 as 18h00 e 24/06 as 18h00
Ateliê397 - exposição Lastros são atos desatados, iminentes como a força entre o derramamento e o transborde, individual da artista Ana Matheus Abbade no espaço. Curadoria de Caio Bonifácio.
Abertura: 20/06
CCBB RJ - exposição Paisagens Ruminadas, retrospectiva de Luiz Zerbini no centro cultural, um dos grandes nomes da Geração 80 brasileira.
Abertura: 19/06.
Cineclube Cortina - Leituras e festa de lançamento dos livros A Viagem Inútil (Fósforo) e Tese sobre uma domesticação (Companhia das Letras) da escritora Camila Sosa Villada, com presença de Caio Blat e Fabia Mirassos. Direção de Maria Manoella.
Data: 03/07 as 20h00.
Millan - Manhaba’u: Onde toca o invisivel, individual do artista Gustavo Caboco na galeria.
Abertura: 22/06