Liuba, Damien Chazelle e Stefan Zweig e o seu jogo de xadrez. Onde está a Arte. Número 5.
Um olhar breve e particular sob uma das melhores exposições do ano passado no MuBE, as trilhas sonoras nos filmes de Damien Chazelle e o xadrez no livro de Stefan Zweig .
Liuba no tempo e no espaço
O voo se torna um estado de espirito. Uma ação, um verbo de onde os seres alados ganham sua presença no espaço. O que se vê são lugares por onde possa haver um contato entre os muitos seres e os seus registros em um percurso invisivel por terras e nos céus. A beleza que podemos observar na obra da artista Liuba Anguelova Boyadjieva, nascida na Bulgária em 1923, está nos breves instantes capturados das ações de seus seres. De seus passaros, de uma iconografia sublime e onirica, eles se veem em diferentes posições, de suas asas ora em pleno voo, ora como em um choque contra o solo. As suas esculturas preenchem um vazio do espaço, pois se expoem em pleno movimento. Os seres humanos presentes em suas esculturas em sua marioria são mulheres, com uma presença de encantar e de provocar por sua sensualidade e de ocupar um espaço no mundo em seus semblantes. Um outro destaque é um busto do artista Lasar Segall, dando mostrar do seu envolvimento com alguns nomes do modernismo brasileiro.
Na exposição encerrada no último fim de semana no Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia, com curadoria de Diego Matos, foi possível vislumbrar o que as esculturas de Liuba, em sua grande maioria feitas em bronze mas também em pedra e madeira, puderam entregar em um espaço como o do museu, projetado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Do espaço acimentado, acizentado e espansivo, as esculturas em bronze sob os blocos de concreto da expografia evidenciaram o sublime. Os bicos dos passaros com suas asas uma revoada. Quando sob banquinhos de madeira, o abstrato, a figura de passáros e corpos se aliam em um delirio, um sonho.
Liuba - Corpo indomável venceu a importante premiação da APCA (Associação Paulista de Críticos Teatrais), como melhor exposição de artista nacional.
Vale a pena ler os textos do catálogo digital da exposição presente no site do museu do curador da mostra Diego Matos e da curadora Pollyana Quintella.
Damien Chazelle, o som e a fúria
Um toque leve nas baterias. O sopro de um saxofone até os pulmões saírem para fora. As figuras de homens e mulheres levados ao limite de seus corpos com o intuito de balançar as estruturas, imergir em seus deslocamentos no presente, sem saber reagir a dor, a abstinência de vicios, a paixões. O cineasta Damien Chazelle pode nos fazer caminhar por muitas histórias e nos tornar individuos capazes de não perceber o que os personagens sentem, até a medida em que ao nos revelar seja num arroubo incomum, em um breve instante de catárse. Sua filmografia pode ser diversa e abarcar diferentes gêneros (de um drama psicológico, para um musical cintilante, para uma comédia de exageros), mas se aproximam muito bem pela música. O jazz mais precisamente.
Justin Hurwitz é o homem da música. Suas trilhas sonoras são compostas com um ardor e verocidade, que quase são tão imprescindiveis quanto as linhas do roteiro, sempre feitas pelo diretor.
Em Whiplash (2014), o som serve a tornar gradativamente mais angustiantes a tortura psicologica sem fim de um professor com seu aluno. Os tons agudos, a pressão nas batidas das baterias em um jazz insano vencem os próprios sons das vozes dos grandes atores J.K Simmons e Miles Teller.
Em La La Land (2016) somos apresentados às eufóricas gradações dos saxofones e das baterias, contornando diferentes gêneros musicais ao buscar o etéreo, o divino da paixão, das dores e tristezas mas das alegrias intorpecentes. O piano é levado em belos momentos de drama.
O Primeiro Homem (2018) é possivelmente seu filme mais dilacerante, no uso do som com o roteiro. Uma orquestra na precisão de Hurwitz na busca em levar o espectador à uma tortura, como a mente do astronauta interpretado por Ryan Gosling. O jazz pode ser ouvido nos pianos e baterias, no instante do confronto com a morte. Uma obsessão similar ao protagonista de Whiplash.
No turbilhão de Babilônia (2022), os saxofones retornam monumentais. A trilha de Hurwitz tenta acompanhar o passo dos personagens do filme (ou seriam os atores que tentam chegar perto da precisão da trilha sonora?) com o jazz dançante pululando sobre cenas editadas de forma rápidas, as danças todas (ouvi alguma menção a sequência da bela Margot Robbie de vermelho na grande festa do começo do filme?). Um trabalho de verdadeiro primor músical o do compositor nesse filme.
Zweig e o jogo da vida
No tabuleiro de xadrez vemos conflitos e um microcosmo da vida. Peoẽs, bispos, cavalos, torres, a dama e o rei. A displicência e a falta de atenção pode levar o adversário a perder a chance de conquistar e de acabar conquistado. Nos limites de uma partida, horas e até dias podem levar com que um jogador seja isolado o bastante a admitir a sua derrota.
No livro do celebrado escritor, austriaco e judeu Stefan Zweig, “O Livro de Xadrez”, lançado pela editora Fósforo, as raizes das sociedades podem serem lidas nas entrelinhas da história com h minúsculo e na com h maiúsculo.
Em um dado momento, o narrador da história se vê em uma embarcação que vai de Nova York para Buenos Aires e descobre lá que um famoso enxadrista se encontra no meio dele. Sua fascinação pelo jogo é despertado. Gostaria de ter uma palavra e de até mesmo quem sabe jogar uma partida com o campeão Mirko Czentovic.
O encontro se dá e tanto o narrador quanto os passageiros com quem interage se sentem decepcionados pela figura arrogante e prepotente do enxadrista, e logo veem em um sujeito moribundo uma esperança de derrotar o tal campeão do xadrez.
A medida que a novela escrita por Zweig (a sua última escrita em vida) ganham contornos de dramaticidade nos embates do jogador famoso com um misterioso sujeito, as dores cruéis da Segunda Guerra Mundial, das violências do nazismo e do uso do xadrez como instrumento para isolar as camadas visiveis do jogo com o intuito de penetrar no íntimo dos seres humanos, em suas formas de sobreviver ao horror, seja pela resistência ou em perpetuar o mal nas suas ações ao ser indiferente com aqueles ao seu redor, surgem latentes.