Giulia Bianchi. Onde Está a Arte. Número 6.
Em um registro por suas caminhadas, descobertas e investigações, a artista provoca com um olhar sobre as cores e os formatos que circundam a natureza.
Era um dia de semana. As ruas durante o período de final de ano na cidade de São Paulo, deixam no ar o clima úmido das chuvas de verão que caem em doses homeopáticas. As ruas calmas já antecedem as festas que logo se aproximam. Estamos em meio a exposição anual do curso de artes visuais da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) no MAB (Museu de Arte Brasileira) de propriedade da universidade, onde uma artista já formada por lá apresentaria uma série de trabalhos dessa vez como convidada da instituição. Como tradição, todos os anos (essa é a 52ª edição da mostra), a curadoria e os professores reservam um espaço na mostra em questão para apontar uma referência futura de um artista egresso do curso que estivera em Paris em residência, numa parceria da faculdade com a instituição Cité Internationale de Paris voltada para a formação de artistas.
Seu nome é Giulia Bianchi. Ela caminha reservadamente por entre as obras expostas na grande galeria do lado esquerdo com vitrais antigos e coloridos da instituição. Seu semblante observa seus trabalhos expostos pela primeira vez com a admiração de quem observa traços e registros de suas caminhadas, registros e pesquisas pela região de Paris e em outras regiões da França. A sua exposição ali ganhou o nome de “No limiar da imagem, ou a pele do mundo”.
A imagem em sua construção de significados propõe ao observador uma série de camadas que se desdobram pela ação do olhar daquele que cria a imagem dada pela natureza, em suas múltiplas ressignificações e enfoques. Atuar sobre ela é o desafio proposto pelo criador da imagem com base no desenvolvimento de suas pesquisas e de sua poética. Em Bianchi os seus olhares se desdobram no processo do cultivo de alimentos. Suas pesquisas se deram no contato com produtores de peixes, frutos, animais, dentre os quais é transmitido um diálogo por meio de saberes ancestrais que promovem a descoberta de sabores e sensações cultivados através do solo, da cultura e do clima dessas regiões.
Um trabalho em especial chamado Limiar, feita a óleo sobre tela, promove um ponto de observação para o que a artista chama de “buscar para além da visualidade” que se estende ao contato que ela teve com a história dos alimentos e seus modos de produção. A tela apresenta de maneira vertiginosa em cardume de peixes se debatendo no que parece ser uma rede invisível. Os peixes ganham em suas escamas e caldas paletas e vivacidades que tornam a tela em movimento se nos depararmos por alguns poucos segundos sobre ela. A impressão dada é de que a artista soube tornar o registro de um ato de preparo do alimento (a captura dos peixes) em uma imagem para além da imagem. Um delirio ininterrupto.
As suas caminhadas pelos mercados em Paris a fez se aproximar desses produtores de locais de alimentos e animais, salinas, cultivos e hortas urbanas, como de agricultores, críticos gastronômicos e chefs de cozinha. A sua pesquisa em campo para coletar informações (um recorte desses itens que incluem anotações, fotografias e desenhos pôde ser visto na MAB FAAP até 12 de Fevereiro deste ano na exposição anual de arte) a fez arregimentar sua intenção de ir além de reproduzir imagens sobre alimentos ad eternum, mas sim criar através da pintura um sentido intrínseco da imagem da natureza, de abóboras, de peixes, em contato direto com as sensações que o ambiente nos convida a observar.
Em suas pinceladas gestuais que emulam no aspecto físico dos alimentos o movimento deixado pelo corte dos frutos, das aparências frescas de animais em vias de processo para chegarem aos mercados e às cozinhas, em paletas vivas e pulsantes, Giulia Bianchi promove um encontro de olhares íntimos entre os observadores de seus trabalhos. A pulsação viva permeia uma arte tão antiga quanto a dos grandes mestres da arte com suas naturezas mortas, a do preparo de alimentos e da gastronomia ou simplesmente da mera disposição dos frutos e alimentos sobre uma base retilínea. A diferença é que aqui, Giulia apresenta a sua natureza tão viva quanto a visão dos olhos de uma mulher, uma flaneuse.