Arcangelo Ianelli no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Onde Está a Arte. Número 10.
Sob luzes e formas, é preciso lembrar de Ianelli, de sua vida e história pela arte.
“Quando passei (à) essa forma a procura da cor aos poucos fui abandonando as linhas, as formas e para chegar a essa conclusão.”
Ianelli sobre seu percurso no final dos anos 90 e anos 2000.
Em 18 de Julho do ano passado, o artista Arcangelo Ianelli teria feito 100 anos de vida. Nesse começo de 2023, o Museu de Arte Moderna de São Paulo inaugura uma mostra que percorre os seus desenhos, seus trabalhos a óleo, esculturas de mármore, reproduções dos espaços de seu ateliê em um projeto expográfico arrojado e com a proposição do uso das cores nas paredes.
É importante observar o quão essencial foi o artista para a arte brasileira, e sobretudo o legado que suas experiências e investigações deixaram em formas, nas nuances de suas telas, na pulsação das linhas geométricas e do abstracionismo que vieram a ocupar as telas de seu ateliê.
Quem foi Arcangelo Ianelli?
Paulistano, filho de imigrantes italianos, o garoto Ianelli se encantava quando seu pai, construtor, trazia para sua casa plantas, desenhos e projetos. Para agradar o filho, pedia para que fizesse desenhos das fachadas das casas. “Sempre gostei de desenhar”, confessa. Os desenhos eram tão bem feitos que logo o patriarca imaginou que teria ali um engenheiro, porém para seu desgosto quis ser artista. No meio da conversa com a pessoa que o entrevistou décadas atrás, Dirce, sua esposa acrescenta: “Quando nos casamos, o pai de Ianelli tinha a esperança que eu fosse desviá-lo da pintura, mas ficou desapontado quando percebeu a minha felicidade ao vê-lo desenhar.”
O casal vivia em um bom pedaço de chão. Ianelli havia decidido desde bem jovem construir um lugar para onde ele e Dirce viveriam com tranquilidade. Localizado no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, o proprietário integrou doze casas antigas que foi adquirindo com seu trabalho e reformando desde a década de 60. Logo de cara é possível do lado de fora avistar o muro alto e o portão de ferro que esconde uma vila, por entre jardins, estátuas renascentistas e fontes. Com plantas e folhagens típicas da mata atlântica, o amplo espaço abriga os locais onde guarda suas esculturas, outra casa coberta de janelas de vidro abriga todos os seus trabalhos desde o início de sua trajetória. Há mais outras casas onde auxiliares e marceneiros realizam a criação de telas de madeira e as formas de suas esculturas. Naturalmente, no mesmo espaço, Ianelli e sua esposa dividem um lar regado a muita cumplicidade e carinho, algo que os italianos conservam muito bem, o afeto por entre sua família.
Quase como em um éden perdido em uma cidade frenética e tumultuada, por um breve instante ali em seu zelo, Arcangelo Ianelli de camisa azul, já com sua calvície e as linhas do tempo em seu rosto vinha a deslizar um pincel azul sobre uma grande tela amparada sobre um tripé. Ali estava com seus 77 anos de vida. Logo se veria ao redor de algumas exposições a serem abertas para a comemoração de seus 80 anos. A Pinacoteca do Estado e o Museu de Arte Contemporânea da USP queriam incluir seu nome e suas telas e esculturas em seus espaços.
“Gosto de ouvir a opinião das pessoas sobre o meu trabalho, especialmente as mais simples, que falam as coisas como sentem. Fiquei feliz quando vi uma senhora, mais ou menos da minha idade, observar a escultura Os Amantes no Parque da Aclimação. Ela ficou olhando atentamente e me disse: ‘Achei bonita. Mas o senhor bem que poderia ter feito uma curvinha aqui para a gente saber que esta era a mulher’. Creio que a arte é uma educação visual. Não se entende pintura ou escultura. Você aprende a sentir. Vai observando museus, exposições, murais e depura o olhar. Para perceber os valores de uma obra, não é preciso ir à escola. É preciso saber sentir.”
A trajetória de Arcangelo Ianelli se inicia nos anos 40. Aos poucos busca na figuração, o sentido das cores e dos espaços. Confessa que juntava naquele tempo uns amigos, também artistas, e pegavam um bonde na praça da Sé e de lá partiam para as periferias de São Paulo e outras cidades do entorno, onde havia apenas a natureza imaculada, lagos, riachos, campos e rios. Com um tripé, paleta e tintas nas mãos passavam prazerosas tardes em um contato direto com a natureza e a arte. Onde a reprodução fugaz do que era visto permanecia nos seus traços sutis enquanto o cenário, os personagens e as cores mudavam junto com o tempo e as horas.
“Lembro do meu tio olhando os quadros, logo que comecei na abstração. Ele ficou observando e me disse: ‘Você está pensando em sobreviver fazendo isto? Eu não queria estes quadros nem de graça’. Gostei da sinceridade.”
Arcangelo Ianelli
Sua trajetória avança com cores e belas composições que abrigam garotas deitadas em um campo, ruas de terra batida em profundidade, igreja em meio a telhados de casas do alto. Aos poucos sua observação do mundo ganhava os leves contornos da geometrização. As paletas sóbrias dão cores a obras como a que ele dá o nome de “Brahma”, uma bela composição e perspectiva da imagem da antiga fábrica da cervejaria, imponente, que ficava entre as ruas Apeninos, Vergueiro, Tupinambás e Paraíso, perto de sua residência no bairro da Vila Mariana.
Os traços geométricos surgem claros e definitivos em seus trabalhos a partir do final dos anos 50, como em “Estaleiro”, de 1959, onde se observam retângulos e o mar, a serem construídos com o nosso olhar. Nesse mesmo momento ocupam as telas as naturezas mortas, desconstruídas em sobreposições de cores em diferentes tons e figuras que se assemelham a copos e garrafas soltas em superfícies delirantes.
Nos anos 60 e 70 o experimentalismo lhe proporciona a criação de obras como “Geométrico”, de 1978 e “Forma e silêncio”, de 1970. Se em um o rigor dos traços precisos sobrepõe a imagem, no segundo trabalho flutua em um cruzamento de uma forma preta dominante e um vermelho discreto na extremidade direita sob um fundo branco pincelado como nuvens ou fumaças, como se ocupasse a visão, nos tomasse intrigados e maravilhados diante das inquietas perspectivas da obra. Ainda nos anos 70, Ianelli é convidado pelo arquiteto João Kon para implementar um mural feito por ele no Edifício Diâmetro, localizado na Avenida Brigadeiro Faria Lima, 1713, no Itaim Bibi, em 1975. Os cortes sob formas quadradas o impulsiona a reproduzir em trabalhos sob madeira as imagens dadas a partir das maquetes.
Nos anos 90 sua produção de esculturas em mármore passam a ocupar parte de seu tempo com as execuções minuciosas, a atenção para as formas que trazem sensualidade e rigidez. É possível observar uma de suas esculturas no espelho d'água do Museu Brasileiro de Escultura e da Ecologia, no Jardim Europa.
No final dos anos 90 e 2000, surgem tomadas por irradiantes cores que aos poucos ganham um brilho ao centro em um de seus mais completos trabalhos. Em obras feitas a óleo sobre tela, a sua busca e pesquisa pelas cores, que o encantavam enquanto jovem, saltam aos olhos de quem os vê. Em meticulosos degradês, as cores se movimentam e parecem dançar. Quase como se entendesse a provocação, Ianelli deu a algumas dessas obras os nomes de “sinfonia” para certas cores. “Sinfonia em branco”, de 1998 é um exemplo.
Questionado por uma criança que se espantou pelo fato de um senhor de idade avançada estar tão ativo no olhar e no trabalho de artista, Ianelli foi pego pela reflexão sobre o fim da vida. “Outro dia, um deles comentou: ‘Nossa! E o senhor ainda está vivo!’ Achei engraçada a espontaneidade. Mas o garoto tinha razão. Todos os meus contemporâneos já se foram, (Francisco) Rebolo, (Aldo) Bonadei, Mário Zanini, (Manabu) Mabe, (Tikashi) Fukushima... Na verdade, estou lutando contra o tempo”
O tempo deu-lhe tempo para uma vida dedicada a criar delírios e inquietudes para gerações por vir. “O que me consola é saber que o tempo é curto para o artista, mas não tem limites para a arte...”
A exposição “O artista essencial” que celebra os 100 anos de existência de Arcangelo Ianelli no MAM SP tem curadoria de Denise Mattar.
Datas: De 14 de fevereiro a 14 de maio de 2023
Horário: terça a domingo, das 10h às 18h (com a última entrada às 17h30)
Endereço: Parque Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3)
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